Páginas

Música Brasileira

"Não é bom para o homem estar só mas ele está só, mesmo assim, ele espera e está só, ele adia e está só, só ele sabe que mesmo adiando chegará."
Natan Zach

sexta-feira, setembro 30, 2005

Fahrenheit 451


"Felizmente, pessoas excêntricas como ela (a jovem sumida) não ocorrem com muita freqüência. Agora, já sabemos como consertar quase todas na infância bem cedo. Não se pode construir uma casa sem prego e sem tábuas. Se você não quer que uma casa seja construída, esconda os pregos e as tábuas. Se você não quer que uma pessoa seja politicamente infeliz, não lhe dê os dois lados de uma questão para se preocupar. Dê-lhe um só. Melhor ainda, não lhe dê nenhum. Será melhor ela esquecer que existe uma coisa como a guerra. Se o governo for ineficiente, autoritário e perdulário, é melhor ser tudo isso sem que as pessoas se preocupem com essas coisas. Paz, Montag.

Dê às pessoas concursos que elas ganham lembrando-se das letras das canções mais populares, dos nomes das capitais ou de qual estado produz mais petróleo. É melhor entulhá-las de dados não combustíveis, entupi-las com tantas "informações" que elas se sintam enfastiadas, mas muitíssimo "brilhantes". Aí elas acham que estão pensando, ficam com uma impressão de estar em movimento sem se mexer. E ficarão felizes porque os fatos dessa espécie não se modificam.

Não lhes dê coisas escorregadias, como filosofia ou sociologia para embrulhar as coisas. Esse é o caminho da melancolia. Qualquer homem que seja capaz de desmontar uma TV mural e montá-la de novo (e hoje em dia quase todo mundo sabe fazer isso) é mais feliz do que o homem que tenta calcular, medir e equacionar o Universo, que simplesmente não se deixa medir ou equacionar sem que o homem se sinta vil e solitário. Eu sei, eu já tentei. Para o inferno com isso.

Então, vamos lá, com clubes e festas, acrobatas e mágicos, saltimbancos, carros a jato, ciclo-helicópteros, sexo e heroína, tudo o que tem a ver com reflexo automático. Se o drama é ruim, se o filme não diz nada, se a peça é vazia, agite-me com sons eletrônicos e bem altos. Vou pensar que estou reagindo à peça, quando se trata apenas de uma reação tátil às vibrações. Mas não ligo. Tudo o que eu quero é uma boa diversão."

Ray Bradbury

quinta-feira, setembro 29, 2005

O Vento


Posso ouvir o vento passar... assistir a onda bater
mas o estrago que faz... a vida é curta pra ver...
Eu pensei...
quando eu morrer vou acordar para o tempo... para o tempo parar.
Um século, um mês, três vidas e mais um passo pra trás?
Por que será?
Vou pensar.

- Como pode alguém sonhar o que é impossível saber?
- Não te dizer o que eu penso já é pensar em dizer...
E isso, eu vi, o vento leva!
- Não sei... mas sinto que é como sonhar...
Que o esforço pra lembrar é a vontade de esquecer...
E isso por que? Diz mais!
... Se a gente já não sabe mais rir um do outro, meu bem
então o que resta é chorar e talvez, se tem que durar,
vem renascido o amor bento de lágrimas.
Um século, três, se as vidas atrás são parte de nós.
E como será?
O vento vai dizer lento o que virá
e se chover demais a gente vai saber,
no claro de um trovão,
se alguém depois sorrir em paz.
Só de encontrar...

Rodrigo Amarante (adaptado)

quarta-feira, setembro 28, 2005

In Poemas Inconjuntos

DIZES-ME: tu és mais alguma cousa
Que uma pedra ou uma planta.
Dizes-me: sentes, pensas e sabes
Que pensas e sentes.
Então as pedras escrevem versos?
Então as plantas têm idéias sobre o mundo?

Sim: há diferença.
Mas não é a diferença que encontras;
Porque o ter consciência não me obriga a ter teorias sobre as cousas:
Só me obriga a ser consciente.

Se sou mais que uma pedra ou uma planta?Não sei.
Sou diferente.Não sei o que é mais ou menos.

Ter consciência é mais que ter cor?
Pode ser e pode não ser.
Sei que é diferente apenas.
Ninguém pode provar que é mais que só diferente.

Sei que a pedra é a real, e que a planta existe.
Sei isto porque elas existem.
Sei isto porque os meus sentidos mo mostram.
Sei que sou real também.
Sei isto porque os meus sentidos mo mostram,
Embora com menos clareza que me mostram a pedra e a planta.
Não sei mais nada.

Sim, escrevo versos, e a pedra não escreve versos.
Sim, faço idéias sobre o mundo, e a planta nenhumas.
Mas é que as pedras não são poetas, são pedras;
E as plantas são plantas só, e não pensadores.
Tanto posso dizer que sou superior a elas por isto,

Como que sou inferior.
Mas não digo isso: digo da pedra, "é uma pedra",
Digo da planta, "é uma planta",
Digo de mim, "sou eu".
E não digo mais nada. Que mais há a dizer?

Fernando Pessoa

terça-feira, setembro 27, 2005

O Temor Combate-se com a Esperança

Não haverá razão para viver, nem termo para as nossas misérias, se for mister temer tudo quanto seja temível. Neste ponto, põe em ação a tua prudência; mercê da animosidade de espírito, repele inclusive o temor que te acomete de cara descoberta. Pelo menos, combate uma fraqueza com outra: tempera o receio com a esperança. Por certo que possa ser qualquer um dos riscos que tememos, é ainda mais certo que os nossos temores se apaziguam, quando as nossas esperanças nos enganam.
Estabelece equilíbrio, pois, entre a esperança e o temor; sempre que houver completa incerteza, inclina a balança em teu favor: crê no que te agrada. Mesmo que o temor reuna maior número de sufrágios, inclina-a sempre para o lado da esperança; deixa de afligir o coração, e figura-te, sem cessar, que a maior parte dos mortais, sem ser afetada, sem se ver seriamente ameaçada por mal algum, vive em permanente e confusa agitação. É que nenhum conserva o governo de si mesmo: deixa-se levar pelos impulsos, e não mantém o seu temor dentro de limites razoáveis. Nenhum diz: - Autoridade vã, espírito vão: ou inventou, ou lho contaram. Flutuamos ao mínimo sopro. De circunstâncias duvidosas, fazemos certezas que nos aterrorizam. Como a justa medida não é do nosso feitio, instantaneamente uma inquietude se converte em medo.

Sêneca

A palavra impossível

Deram-me o silêncio para eu guardar dentro de mim
A vida que não se troca por palavras.
Deram-mo para eu guardar dentro de mim
As vozes que só em mim são verdadeiras.
Deram-mo para eu guardar dentro de mim
A impossível palavra verdade.

Deram-me o silêncio como uma palavra impossível,
Nua e clara como o fulgor duma lâmina invencível,
Para eu guardar dentro de mim,
Para eu ignorar dentro de mim
A única palavra sem disfarce
-A palavra que nunca se profere.

Adolfo Casais Monteiro in: http://conversamos.blogspot.com

segunda-feira, setembro 26, 2005

O Segredo dos Seres e do Mundo

... Pois é, isso foi em M... hoje não quero mais descobrir os segredos, me contento em não sabê-los... Deixo-os no total abandono de uma ausência sem causa... É bom o não saber... Descubro o comum de apenas ser...

"Sentia-me à vontade em tudo, isso é verdade, mas ao mesmo tempo nada me satisfazia. Cada alegria fazia-me desejar outra. Ia de festa em festa. Acontecia-me dançar noites a fio, cada vez mais louco com os seres e com a vida. Por vezes, já bastante tarde, nessas noites em que a dança, o álcool leve, o meu desenfreamento, o violento abandono de cada qual, me lançavam para um arroubo ao mesmo tempo lasso e pleno, parecia-me, no extremo da fadiga e no lapso de um segundo, compreender, enfim, o segredo dos seres e do mundo. Mas a fadiga desaparecia no dia seguinte e, com ela, o segredo; e eu atirava-me outra vez."

Albert Camus in: A Queda

domingo, setembro 25, 2005

A Liberdade de Escolha

...Geralmente não paramos para pensar sobre o que nos leva a escolher entre uma coisa e outra... Não sei!! Quando escolho algo penso no melhor, no bem que esse algo escolhido poderá me trazer... não fico fazendo divagações a respeito de como será depois... Conheço pessoas que se autodeterminam e que conseguem não escolher... e vivem envoltas em regras, princípios... Valorizam mais as regras do que a própria necessidade momentânea da escolha. Sei lá!... Não acredito que tais pessoas realmente entendam o que significa ser o que se é, afinal, quando tudo vem muito organizado, certinho, com o espaço e o tempo predeterminado, não há possibilidade real de liberdade... tudo já está pronto, esquematizado, destinado... Falta de liberdade que mascara a verdadeira liberdade: aquela que dá e se dá, por vontade, por escolha... E transforma o conjunto, os conjuntos...

"Realmente, se um dia de fato se descobrisse uma fórmula para todos os nossos desejos e caprichos - isto é, uma explicação do que é que eles dependem, por que leis se regem, como se desenvolvem, a que é que eles ambicionam num caso e noutro e por aí fora, isto é uma fórmula matemática exata - então, muito provavelmente, o homem deixaria imediatamente de sentir desejo. Pois quem aceitaria escolher por regras? Além disso, o ser humano seria imediatamente transformado numa peça de um orgão ou algo do gênero; o que é um homem sem desejos, sem liberdade de desejo e de escolha, senão uma peça num orgão?"

Fiodor Dostoievski

quinta-feira, setembro 22, 2005

O Paradoxo do Outro


"Há uma grande diferença entre viver com alguém e viver em alguém. Pessoas há em quem somos capazes de viver sem que consigamos viver com elas. E há os casos inversos. Só uma extrema pureza do amor e da amizade está em condições de juntar as duas coisas.

O homem só pode viver com os que se lhe assemelham. E ao mesmo tempo não pode viver com eles, porque não suporta que alguém se lhe assemelhe eternamente.

Quando duas pessoas estão inteiramente satisfeitas uma com a outra, podemos ter quase sempre a certeza de que estão ambas enganadas."

Johann Wolfgang von Goethe

Íris

Penso que devo ter adormecido por algum tempo;
Pois quando acordei tinhas vindo e partido.
Apenas algumas flores permaneceram -
Flores que não podiam sequer dizer quem eram...
E uma fragrância vaga e suave no ar.
Esta noite tenho de sonhar um sonho mais longo
Para que as flores falem
E a sua fragrância estenda uma trêmula ponte
Entre nós.

P. S. Rege

O benfeitor


Era noite e Ele estava sozinho.
Viu ao longe os muros de uma cidade circular e caminhou na sua direcção. E quando chegou próximo, ouviu no seu interior o trilho de alegres passadas, riso de bocas alegres e som alto de muitos alaúdes. Bateu e alguns dos guardas abriram-lhe os portões. Só para Ele.
Avistou uma casa de mármore, com sólidos pilares em frente, feitos do mesmo material. Estavam decorados com coroas de flores e por dentro e por fora da casa havia archotes de cedro. E ele entrou.
Quando atravessou o salão de calcedônia e o salão de jaspe e chegou ao grande salão de festas, viu estendido num sofá cor de algas vermelhas alguém cujos cabelo estava coroado por rosas rubras e cujos lábios estavam vermelhos de vinho. ele foi por detrás, tocou-lhe no ombro e disse-lhe:
«Por que vives desta maneira?»
E o jovem virou-se e reconheceu-O. Pensou um pouco e disse-Lhe:
«Mas eu estive leproso em tempos e tu curaste-me. De que outra maneira haveria de viver?»
Ele abandonou a casa e voltou novamente para a rua.
Passado um bocado avistou uma mulher cuja face e o vestuário estavam pintados e que trazia nos pés ajaezados e pérolas. E, por detrás dela, vinha furtivo como um caçador, um homem jovem que vestia um manto com duas cores, nesse preciso instante a face da mulher era clara e honesta, como a de uma deusa, mas os olhos do jovem estavam cobertos de luxúria.
Então, Ele correu rapidamente e tocou a mão do jovem e disse-lhe:
«Porque estás a olhar para essa mulher dessa maneira?»
O rapaz virou-se e reconheceu-O. E disse:
«Mas eu fui cego em tempos e tu deste-me a vista. Para que outra coisa deveria olhar?»
Ele correu para a mulher e tocou-lhe no vestuário pintado e disse-lhe:
«Não existe outro caminho que não seja o caminho do pecado?»
A mulher virou-se e reconheceu-O. Riu e disse:
«Mas tu perdoaste-me os pecados e este caminho é um caminho agradável.»
Ele saiu da cidade.
E quando saiu de lá, avistou, na beira da estrada, um outro jovem que estava a chorar.ele caminhou na sua direcção e tocando-lhe nas longas madeixas de cabelo perguntou-lhe:
«Porque choras?»
E o rapaz olhou para cima e reconheceu-O. Pensando um instante, respondeu-lhe:
«Mas eu estive morto em tempos e tu tiraste-me da morte. Que mais posso eu fazer do que chorar?»

Oscar Wilde -Tradução de Possidónio Cachapa

quarta-feira, setembro 21, 2005

Simetria

... Acredito no equilíbrio das coisas que são... na diversidade e falta de simetria das coisas que não podem ser mediante impossibilidades aparentes... Acredito na liberdade que liberta e aprisiona... na alquimia que transforma "falta" em ausência... Acredito em encontros e desencontros... naquilo que fica e naquilo que vai... para onde? Não sei!

"Há pessoas que nos libertam... há outras que nos aprisionam e asfixiam.
Há pessoas capazes de extrair de nós o que há de melhor e mais bonito... há outras que colocam em evidência toda a nossa imperfeição.
Há pessoas que nos tomam pela mão e nos conduzem... há outras que nos empurram para o abismo da desorientação.
Há pessoas que semeiam flores de esperança e luz... há outras que vão colocando espinhos na nossa cruz.
Há pessoas que nos injetam vida, otimismo, confiança... há outras que aniquilam nosso equilíbrio e temperança.
Há pessoas que nos fazem multiplicar nossos poucos talentos... há outras que nos fazem enterrar os poucos que supunhamos ter.
Há pessoas que são balsâmicas em nossas vidas... há outras que tornam completamente inócua a nossa lida.
Há pessoas que nos estruturam e nos levantam... há outras que nos fragmentam e nos desmontam.
Assim posto, até onde o destino o permitir, que possamos ficar longe daqueles que nos são corrosivos, e que possamos ficar perto daqueles que nos são benfazejos.
Mas às vezes, por uma destas razões incompreensíveis da natureza humana, descobrimos com espanto que há pessoas que simultaneamente nos elevam e nos abatem... nos levantam e nos derrubam... nos apedrejam e deitam bálsamo nas nossas feridas.
E, mais perplexos ainda ficamos, quando constatamos que por um capricho da Criação, ou quem sabe, da nossa mísera condição, não somos vítimas passivas deste processo, e que vivendo e interagindo, vamos nós também distribuindo (querendo ou não querendo) alegrias e dores, mágoas e alentos, luz e escuridão...
Como se dançássemos em perfeita simetria. Ou como se contracenássemos em perfeita sintonia com os nossos "balsâmicos algozes". "

O Homem é um Animal Irracional.

...Razão e irracionalidade coexistem, não sei!! São faces de uma mesma moeda... Sou muito mais irracional na minha racionalidade...

1. O homem é um animal irracional, exatamente como os outros. A única diferença é que os outros são animais irracionais simples, o homem é um animal irracional complexo. É esta a conclusão que nos leva a psicologia científica, no seu estado atual de desenvolvimento. O subconsciente, inconsciente, é que dirige e impera, no homem como no animal. A consciência, a razão, o raciocínio são meros espelhos. O homem tem apenas um espelho mais polido que os animais que lhe são inferiores.

2. Sendo assim, toda a vida social procede de irracionalismos vários, sendo absolutamente impossível (exceto no cérebro dos loucos e dos idiotas) a idéia de uma sociedade racionalmente organizada, ou justiceiramente organizada, ou, até, bem organizada.

3. A única coisa superior que o homem pode conseguir é um disfarce do instinto, ou seja, o domínio do instinto por meio de instinto reputado superior. Esse instinto é o instinto estético. Toda a verdadeira política e toda a verdadeira vida social superior é uma simples questão de senso estético, ou de bom gosto.

4. A humanidade, ou qualquer nação, divide-se em três classes sociais verdadeiras: os criadores de arte; os apreciadores de arte; e a plebe. As épocas maiores da humanidade são aquelas em que sobressaem os criadores de arte, mas não se sabe como se realizam essas épocas, porque ninguém sabe como se produzem homens de gênio.

5. Toda a vida e história da humanidade é uma coisa, no fundo, inteiramente fútil, não se percebe para que há, e só se percebe que tem que haver.

6. A plebe só pode compreender a civilização material. Julgar que ter automóvel é ser feliz é o sinal distintivo do plebeu.

O homem não sabe mais que os outros animais; sabe menos. Eles sabem o que precisam saber. Nós não.

Fernando Pessoa

terça-feira, setembro 20, 2005

...Uma ausência

...não sei o que dizer... estou deserta...

Sinto-me, sem sentir, todo abrasado o rigoroso fogo que me alenta;
O mal, que me consome, me sustenta;
O bem, que me entretém, me dá cuidado.
Ando sem me mover, falo calado;
O que mais perto vejo, se me ausenta,
E o que estou sem ver, mais me atormenta;
Alegro-me de ver-me atormentado.
Choro no mesmo ponto em que me rio;
No mor risco me anima a confiança;
Do que menos se espera estou mais certo.
Mas se de confiado desconfio,
É porque, entre os receios da mudança,
Ando perdido em mim como em deserto.

António Barbosa Bacelar

Outro rio...

...não sei o que dizer, continuo deserta...

Olhar o rio feito de tempo e água e recordar que o tempo é outro rio, saber que nos perdemos como o rio e que os rostos passam como a água.
Sentir que a vigília é outro sonho que sonha no sonhar e que a morte que teme a nossa carne é essa mesma morte de cada noite, e que se chama sonho.

Ver no dia ou no ano um símbolo dos dias do homem e dos seus anos,
converter a afronta dos anos numa música, num rumor e num símbolo,
ver na morte o sonho, no acaso uma triste riqueza,
assim é a poesia também imortal e pobre.

A poesia regressa como a aurora e o acaso.
Às vezes em certas tardes um rosto observa-nos desde o fundo de um espelho,
a arte deve ser como esse espelho que nos revela o nosso próprio rosto.

Contam que Ulisses, farto de maravilhas,
chorou de amor ao avistar Itaca verde e humilde.
A arte é essa Itaca de um verde eterno, e não de maravilhas.
Também é como o rio interminável que passa e fica
e é cristal de um mesmo Heraclito inconstante, que é ele mesmo e é outro,
como o rio interminável.

Jorge Luis Borges

Criar banalidades...


...não sei o que é banalidade... Talvez o que tenha aparência de banal, na verdade, resguarde uma essência imprescindível. Para mim nada é banal, tudo tem importância e merece atenção, um certo desvio de olhar... Sei lá! Acredito em paradas, retornos, olhar de novo com outro olhar... Não me controlo... Sinto pena daqueles que se controlam em demasia...

"Um pouco de trabalho, repetido trezentas e sessenta e cinco vezes, dá trezentas e sessenta e cinco vezes um pouco de dinheiro, isto é, uma soma enorme. Ao mesmo tempo, a glória está feita. Do mesmo modo, uma porção de pequenos gozos compõem a felicidade. Criar uma banalidade, é o gênio.
Devo criar uma banalidade. "

Charles Baudelaire

segunda-feira, setembro 19, 2005

Na ilha por vezes habitada.

...Continuando...


Na ilha por vezes habitada do que somos,
há noites, manhãs e madrugadas em que não precisamos de morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente
e entra em nós uma grande serenidade, e dizem-se as palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável:
o contorno, a vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres,
com a paz e o sorriso de quem se reconhece
e viajou à roda do mundo infatigável,
porque mordeu a alma até aos ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.

José Saramago

quarta-feira, setembro 14, 2005

Odeio os indiferentes

... continuo a pensar em promessas, não sei!! acho esse texto oportuno...

"Odeio os indiferentes. Como Frederico Hebbel, acredito que ‘viver é tomar partido’. Não podem existir apenas homens, os estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão e partidário. Indiferença é abulia, é parasitismo, é covardia, não é vida. Por isso, odeio os indiferentes. A indiferença e o peso morto da história. É a bola de chumbo para o inovador, é a matéria inerte na qual freqüentemente se afogam os entusiasmos mais esplendorosos. A indiferença atua poderosamente na história. Atua passivamente, mas atua. É a fatalidade, é aquilo com o que não se pode contar; é aquilo que confunde os programas, que destrói os planos mais bem construídos. É a matéria bruta que se rebela contra a inteligência e a sufoca. O que acontece, o mal que se abate sobre todos, o possível bem que um ato heróico (de valor universal) pode gerar, não se deve tanto à iniciativa dos poucos que atuam, quanto a indiferença de muitos. O que acontece não acontece tanto porque alguns o queiram, mas porque a massa de homens abdica de sua vontade, deixa de fazer, deixa enrolarem os nós que, depois, só a espada poderá cortar; deixa promulgar leis que, depois, só a revolta fará anular; deixa subir ao poder homens que, depois, só um sublevação poderá derrubar. Os fatos amadureceram na sombra porque mãos, sem qualquer controle a vigiá-las, tecem a teia da vida coletiva, e a massa não sabe, porque não se preocupa com isso. Os destinos de uma época são manipulados de acordo com visões restritas, os objetivos imediatos, as ambições e paixões pessoais de pequenos grupos ativos, e a massa dos homens ignora, porque não se preocupa. Por isso, odeio os indiferentes."

Antonio Gramsci

O Perdão e a Promessa

...Pensei na palavra "promessa", na verdade nunca fiz promessas, acredito que prometer é se responsabilizar por algo inconsistente, sei lá... Nunca faço promessas porque não me sinto responsável para cumpri-las... Acredito no ato, no momento, naquilo que posso fazer agora ... depois?... não sei!

"Se não fôssemos perdoados, eximidos das consequências daquilo que fizermos, a nossa capacidade de agir ficaria por assim dizer limitada a um único ato do qual jamais nos recuperaríamos; seríamos para sempre as vítimas das suas consequências, à semelhança do aprendiz de feiticeiro que não dispunha da fórmula mágica para desfazer o feitiço. Se não nos obrigássemos a cumprir as nossas promessas não seríamos capazes de conservar a nossa identidade; estaríamos condenados a errar desamparados e desnorteados nas trevas do coração de cada homem, enredados nas suas contradições e equívocos - trevas que só a luz derramada na esfera pública pela presença de outros que confirmam a identidade entre o que promete e o que cumpre poderia dissipar. Ambas as faculdades, portanto, dependem da pluralidade; na solidão e no isolamento, o perdão e a promessa não chegam a ter realidade: são no máximo um papel que a pessoa encena para si mesma."

Hannah Arendt

terça-feira, setembro 13, 2005

Tempo...

... pensei no tempo... tempo é círculo... círculos são eternos retornos... não sei!!

Se pudesses voltar atrás
Emendar todos os erros
E tornar o passado perfeito
Será que o farias?
Se soubesses da despedida
Abririas ainda os braços?
Emendarias o passado
Para modificar o presente?
Conjugarias o verbo ser
Mesmo sendo hoje ausente?
Arriscarias a partida
Se soubesses da chegada?

Encandescente