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Música Brasileira

"Não é bom para o homem estar só mas ele está só, mesmo assim, ele espera e está só, ele adia e está só, só ele sabe que mesmo adiando chegará."
Natan Zach

sábado, julho 21, 2007

Canção outonal

rose_by_simmery-a sOoL!!

Hoje sinto no coração
um vago tremor de estrelas,
mas minha senda se perde
na alma da névoa.

A luz me quebra as asas
e a dor de minha tristeza
vai molhando as recordações
na fonte da idéia.

Todas as rosas são brancas,
tão brancas como minha pena,
e não são as rosas brancas
porque nevou sobre elas.

Antes tiveram o íris.
Também sobre a alma neva.
A neve da alma tem
copos de beijos e cenas
que se fundiram na sombra
ou na luz de quem as pensa.

A neve cai das rodas,
mas a da alma fica,
e a garra dos anos
faz um sudário com elas.

Desfazer-se-á a neve
quando a morte nos levar?
Ou depois haverá outra neve
e outras rosas mais perfeitas?

Haverá paz entre nós
como Cristo nos ensina?
Ou nunca será possível
a solução do problema?

E se o amor nos engana?
Quem a vida nos alenta
se o crepúsculo nos funde
na verdadeira ciência
do Bem que quiçá não exista,
e do mal que palpita perto?

Se a esperança se apaga
e a Babel começa,
que tocha iluminará
os caminhos na Terra?

Se o azul é um sonho
que será da inocência?
Que será do coração
se o Amor não tem flechas?

Se a morte é a morte,
que será dos poetas
e das coisas adormecidas
que já ninguém delas se recorda?

Oh! sol das esperanças!
Água clara! Lua nova!
Corações dos meninos!
Almas rudes das pedras!

Hoje sinto no coração
um vago tremor de estrelas
e todas as coisas são
tão brancas como minha pena."

Frederico García Lorca

Sobreviventes

Your_AngelAmandaKeeys-a sOoL! "Quando em um acidente

uma explosão
um terremoto
um atentado

salvam-se quatro ou cinco

cremos
                         insensatos
que derrotamos a morte
mas a morte nunca
se impacienta
pois, com certeza
sabe melhor do que ninguém
que os sobreviventes
também morrem."

Mario Benedetti

sexta-feira, julho 20, 2007

Caindo para o Sul: Brasil

BrasilMistura_insana-a sOoL!!
"Andando e andando dentro de um pijama cheio de com um dedo aumentando o buraco do bolso, atravessei a biblioteca e encontrei a minha alma agachada, espiralando-se para baixo, entrando num globo colorido. O oceano ainda era o velho Atlântico, sempre o arrogante esverdeado, o branco impetuoso e cruel, agora mais quente do que o ar. Por outro lado, lá as bandeiras vermelhas proibiram nosso mergulho. Ninguém nadou. Uma delicadeza anárquica.

Uma latina bronzeada, dois trapos, amadurecida pelo sol, adormece solitária usando o braço como travesseiro. Sem comparação. Somente um grupo de meninos cabeceiam uma bola mantendo-a no ar, enquanto o povo passa fome no interior, faz greve e morre Américas infelizes, ah tristes tropiques! e todas as noites, arrancadas pela maré, as velas de macumba cortejam Yemanjá; alta, branca, a virgem-sereia do mar envolta em lírios brancos, no seu véu branco noturno, caminha sobre as águas.

'Estou caindo. Nossa Senhora, rogai por mim. Quero parar, mas perdi o pé de apoio no mapa, agora caio, caio, desvio, intenso, meus pés violam, nas ruas, as minhas palmas violentas.'"

Robert Lowell trad.: Marco Aurélio Cremasco

quarta-feira, julho 18, 2007

O impensado e o impensável

Sao_Paulo_by_ZedoCaixao-a sOoL!!
"Nossa percepção (ou aceitação) da realidade vai por patamares. Poderia dizer, "limites", que vão se alargando, conforme as exigências pessoais, sociais, históricas. Há fatos que embora sejam extravagantes, perversos e macabros, já entraram no universo dos possíveis. São vergonhosos, são eticamente imundos, alguns são esteticamente repulsivos, mas convivemos enojadamente com eles.

Quando nos deparamos com uma dessas situações pensamos ter já atingido o limite de nossa (des)humanidade. É como se estivéssemos num patamar extremo, depois do qual tudo é inviável, insuportável, inadimissível. Mas, de repente, rompe-se a barreira de nossas expectativas e atônitos somos forçados a admitir o inadimissível, a pensar o impensado, e a suportar o impensável.

Até há pouco ninguém havia pensado em jogar aviões cheios de apavorados e inocentes passageiros contra as torres do WTC, que recebiam diariamente umas 50 mil pessoas. Antes da década de 60 ninguém cogitava sequer que se pudesse sequestrar aviões. Avião era feito para voar e o medo era de que ele caisse sem mais nem menos, e não que pudesse ser até abatido pela própria força aérea de nosso país.

Pois tais coisas entraram no quadro das possibilidades. Tenho impressão que isto começou lá pelos anos 60. A princípio eram sequestros políticos, simples desvio de rota para pedido de asilo. Depois ocorreram sequestros com tiroteios e mortes a bordo. Ninguém pensava que se pudesse ir além disso. Mas fomos.

Se o impensado é aquilo é um não nomeado estoque depossibilidades, o impensável é o pesadelo que atonitamente não queremos admitir. Mas a realidade, abrindo patamares novos, sem nos consultar nos faz pensar o impensado e nos joga no impensável. Passamos admitir, suportar e conviver com coisas que às vezes a ficção de ontem nem sonhou.

Quem quiser pode recorrer aos exemplos clássicos. Os primeiros cristão conheceram na carne o impensado e o impensável quando começaram a definhar nas cruzes e a morrer no céu da boca das feras. Experimentaram o impensado e conviveram com o impensável aqueles que viram seus corpos arderem nas fogueiras da Inquisição.

Experimentaram o impensado e conviveram com o impensável os árabes que viram os cruzados cristãos devastarem suas cidades e comerem a carne de seus filhos como churrasco.

Perguntem aos judeus de ontem e ao palestino de hoje o que é o impensado e o impensável. Perguntem aos japoneses de Hiroshima e Nagasaki, aos milhões que Stalin e Mao Tse Tung exterminaram. Houve quem dissesse que a história é a história da liberdade. Houve quem dissesse isto de cabeça para baixo: - que a história é a história da repressão. Então, talvez se possa dizer, sumarizando, que a história é também a história da transgressão. De como limites vão sendo quebrados tanto no ímpeto da construção, quanto da destruição. A história vista como a história da sucessiva e ilimitada transgressão. Da transgressão que transgride a si mesma, sempre com novos ímpetos e absurdos.

No princípio brigava-se em terra firme com as garras e mãos, depois com pau e pedra, depois com espada, revólver e canhão, depois isto foi levado para os mares, depois para os ares até chegarmos nos perplexos tempos atuais em que globalizamos a guerra antes de globalizar a paz. E depois do WTC o imaginário começa a se adiantar para não ser colhido de surpresa. Os limites do terrorismo se expandiram e atônitos estamos redimensionando o impensado e o impensável. E a paranóia está no ar. Houve um tempo em que, americanamente feliz, o presidente achava que a Casa Branca só poderia ser atacada por mísseis e não por qualquer avião de passageiro, que decola do aeroporto a 10 minutos dali. Ele era feliz e não sabia.

Os limites se expandem. A história desborda.

Quanta distância entre o namoro antigamente, com aquelas mensagens em lencinhos, cartas, flertes no teatro, o culto da pureza e virgindade, e o de hoje? Quem poderia supor, há poucas décadas, que os grandes jornais que circulam entre as famílias tivessem natural e comercialmente em suas páginas, anúncios de prostituição masculina e feminina? E os programas pornoespetaculares de televisão? E a música, a literatura e as artes em geral? Trocaram ou não de patamar através de transgressões sucessivas?

Portanto, ética e esteticamente estamos cada vez mais convivendo com o impensável o impensado. Estranho são os seres vivos: tanto os pretensiosos seres humanos quanto os virus da gripe ou da aids, que vão se adaptando e criando novas resistências para sobreviverem. Então, nos dizemos:- "Não suporto mais. Isto já passou dos limites". E no dia seguinte suportamos mais coisas insuportáveis, alargamos os limites de nossa subserviência e o que era impensado e impensável ontem é a nossa (des)humana rotina hoje."

Affonso Romano de Sant’ Anna

segunda-feira, julho 16, 2007

Tudo tem tudo

love_story_by_aglayan_agac-a sOoL!!

D’onde o nada em tudo está,
o grande tudo sempre vem,
onde o nada tudo é já,
o grande tudo nada tem.

Para o nada poder dar,
é preciso o tudo vir,
como é bom tudo ficar,
como é triste nada ir.

D’onde a alma tudo clama,
com certeza, nada volta,
tudo tem acesa a chama,
onde o nada, em vão, se solta.

Onde o tudo cai na treva,
é onde o nada fica mudo, fraco,
o tudo nada leva, forte,
o nada leva tudo.


Roberto Armorizzi in: http://palavril.blogspot.com

O homem partido

timeless_loneliness_by_aglayan_agac-a sOoL!!
O homem partido
Segue fingindo unidade
Segue sentindo saudade

Meio homem / meio embaraço
Meio vida / meio contágio

Meio cidade / meio riacho
Meio rotina / meio anti-ácido

O homem partido
Segue em febril caminhada
Segue entre a cruz e a espada

Meio profeta / meio piada
Meio viola / meio guitarra

Meio vadio / meio de casa
Meio sentido / meio pirraça

O homem partido
Segue contando as migalhas
Segue esbanjando risada

Meio música / meio compasso
Meio canto / meio desabafo

Meio canção / meio cantada
Vezes tudo / vezes nada

Fabiano Parracho in: http://palavril.blogspot.com

quarta-feira, julho 11, 2007

Sente-se

angelssuicide__by_rache_engela sOoL!!
Sente-se.
Está sentado?
Encoste-se tranquilamente na cadeira.
Deve sentir-se bem instalado e descontraído.
Pode fumar.
É importante que me escute com muita atenção.
Ouve-me bem?
Tenho algo a dizer-lhe que vai interessá-lo.
Você é um idiota.

Está realmente a escutar-me?
Não há pois dúvida alguma de que me ouve com clareza e distinção?
Então Repito: você é um idiota.

Um idiota.
I como Isabel;
D como Dinis;
outro I como Irene;
O como Orlando;
T como Teodoro;
A como Ana. Idiota.

Por favor não me interrompa.
Não deve interromper-me.
Você é um idiota.
Não diga nada.
Não venha com evasivas.
Você é um idiota.
Ponto final.

Aliás não sou o único a dizê-lo.
A senhora sua mãe já o diz há muito tempo.
Você é um idiota.
Pergunte pois aos seus parentes.
Se você não é um I.
Claro, a você não lho dirão
Porque você se tornaria vingativo como todos os idiotas.
Mas Os que o rodeiam já há muitos dias e anos sabem que você é um idiota.
É típico que você o negue.
Isso mesmo: é típico que o I negue que o é.

Oh, como se torna difícil convencer um idiota de que é um I.
É francamente fatigante.
Como vê, preciso de dizer mais uma vez
Que você é um I.
E no entanto não é desinteressante para você saber o que você é
E no entanto é uma desvantagem para você não saber o que toda a gente sabe.
Ah sim, acha você que tem exatamente as mesmas ideias do seu parceiro.
Mas também ele é um idiota.
Faça favor, não se console a dizer
Que há outros I.

Você é um I.
De resto isso não é grave.
É assim que você consegue chegar aos 80 anos.
Em matéria de negócios é mesmo uma vantagem.
E então na política!
Não há dinheiro que o pague.
Na qualidade de I você não precisa de se preocupar com mais nada.

E você é I.
Formidável, não acha?
Você ainda não está ao corrente?
Quem há de então dizer-lhe?
O próprio Brecht acha que você é um I.
Por favor, Brecht, você que é um perito na matéria, dê a sua opinião.
Este homem é um I.
Nada mais.
Não basta tocar o disco uma só vez.

Bertolt Brecht