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Música Brasileira

"Não é bom para o homem estar só mas ele está só, mesmo assim, ele espera e está só, ele adia e está só, só ele sabe que mesmo adiando chegará."
Natan Zach

domingo, janeiro 22, 2012

Verdade


Sempre procuramos a Verdade.
Ela tem medo de ser pega.
Livros são gaiolas.
Verdade não é um canário
Para ciscar palavras com paciência
E morrer depois de comer todas.

A verdade não gostaria de viver
Na cabeça ou na garganta ou no coração de alguém.
Não tente acha-la ali.

A verdade não é dríade pra ser punida numa arvore
A verdade não é nenhuma naiade.
A verdade certamente se afogaria numa fonte.

Deixe a terra em paz.
A verdade não deixa pegadas.
Não escute
Até o silencio se pôr com a lua.
A verdade não faz ruídos.
Não siga a luz
Que segue o sol
Que segue a noite.
A verdade dança além da luz
E do sol
E da noite.
A verdade não pode ser vista.

Deixe a curiosidade ficar em casa.
Ela pode se perder.
(A verdade freqüenta antros estranhos.)
Se, criança, o segredo se calça,
Um dia será imprudência.

Deixe a verdade em paz.
A verdade não pode ser pega.
Acho que ela não vive nada, não,
Pois teria medo de morrer, então.

Laura Rinding - Trad.: Rodrigo Garcia

quinta-feira, janeiro 19, 2012

Trecho do livro "A Náusea"

(...) "Afinal, não pensas, nem de longe, o mesmo que eu. Queixas-te, porque as coisas não se dispõem à tua volta como um ramo de flores, sem te dares ao trabalho de fazer seja o que for. Mas nunca eu pedi tanto: queria agir. Lembras-te de quando brincávamos ao aventureiro e à aventureira? Tu eras aquele a quem sucedem aventuras, eu aquela que as fazia suceder."

Dizia eu: “Sou um homem de ação.” Lembras-te? Pois bem, agora digo simplesmente: “Não se pode ser um homem de ação.”

(...)

"E depois há uma quantidade de outras coisas que não te disse, porque levaria muitíssimo tempo a explicar-te. Seria preciso, por exemplo, poder dizer, no momento em que agia, que o que estava a fazer teria consequências... fatais. Não posso explicar-te bem..." 

"Mas é perfeitamente inútil", digo eu com um ar bastante pedante; "também isso eu pensei."

Ela olha-me com desconfiança.

"A julgar pelo que dizes, terias pensado tudo da mesma maneira que eu: muito me espanta."

Não posso convencê-la; não conseguiria mais do que irritá-la. Calo-me. Tenho vontade de a cingir nos meus braços. De súbito, ela olha para mim com uma expressão de ansiedade.

"E então, já que pensaste nisso tudo, que nos resta agora fazer?" Baixo a cabeça.

"Vou... vou sobrevivendo a mim própria", repete ela, pesadamente.

"Que poderei dizer-lhe? Conheço eu algumas razões para viver? Não estou, como ela, desesperado, porque nunca tinha esperado grande coisa. Estou é... espantado diante desta vida que me é dada... dada para nada. Conservo a cabeça baixa (...)"

Jean Paul Sartre - Trad. de António Coimbra Martins

quarta-feira, janeiro 18, 2012

Na Véspera



"Na véspera de nada ninguém me visitou.

Olhei atento a estrada durante todo o dia

Mas ninguém vinha ou via, ninguém aqui chegou.

Mas talvez não chegar

Queira dizer que há

Outra estrada que achar,

Certa estrada que está,

Como quando da festa

Se esquece quem lá está."

Fernando Pessoa

sexta-feira, janeiro 13, 2012

A Eternidade


De novo me invade.
Quem? – A Eternidade.
É o mar que se vai
Como o sol que cai.

Alma sentinela,
Ensina-me o jogo
Da noite que gela
E do dia em fogo.

Das lides humanas,
Das palmas e vaias,
Já te desenganas
E no ar te espraias.


De outra nenhuma,
Brasas de cetim,
O Dever se esfuma
Sem dizer: enfim.

Lá não há esperança
E não há futuro.
Ciência e paciência,
Suplício seguro.

De novo me invade.
Quem? – A Eternidade.
É o mar que se vai
Com o sol que cai.




Arthur Rimbaud - trad. Augusto de Campos

A jornada


"Um dia você finalmente descobriu o que tinha de fazer e então começou, mesmo que as vozes que te rodeavam continuassem vociferando péssimos conselhos – mesmo que a casa inteira começasse a estremecer e você sentisse a velha fisgada em seus calcanhares.

“Redima minha existência!” Clamaram as vozes. Mas você não se deteve. Sabia o que tinha de fazer, mesmo que o vento o perseguisse com seus dedos enrijecidos com todas as suas forças, mesmo que a melancolia por eles possuída se mostrasse aterradora.

Já era tarde o suficiente, e a noite, tempestuosa e a estrada, repleta de galhos caídos e pedras pelo caminho. Porém lentamente, ao deixar aquelas vozes para trás as estrelas começaram a brilhar através dos lençóis de nuvens, e lá estava ocultada nova voz que lentamente reconheceste como sua, que se manteve em sua companhia enquanto adentrava a passos largos no mundo, determinado a fazer a única coisa que poderia fazer - determinado a salvar a única vida que pôde salvar."

Mary Oliver - trad.: Wagner Miranda