" (...) 'Peço-te, portanto que agora me digas se achas que o acaso existe realmente e, caso exista, em que ele consiste. Apresso-me a cumprir minha promessa e abrir-te o caminho que leva diretamente à tua pátria. Ora, essas questões, embora seu entendimento seja útil desviarão um pouco do nosso caminho, e temo que tais desvios te fatiguem e talvez até te impeçam de percorreres até o fim o caminho reto.'
'Não', disse eu, 'não tens nada a temer, pois essa será para mim uma ocasião de refrear minha inquietude e de me instruir sobre temas que tanto me interessam. Cada ponto de tua argumentação me parecerá irrefutável, e nenhuma das conclusões será posta em dúvida.'
'Vou então satisfazer o teu desejo', e logo começou da seguinte maneira:
'Se definirmos o acaso como um acontecimento produzido acidentalmente e não por uma seqüência de qualquer tipo de causa, longe de consentir na definição, considero essa palavra absolutamente desprovida de sentido, salvo a significação da realidade a que ela se refere. Com efeito, se Deus obriga todas as coisas a se dobrarem às suas leis, onde haveria lugar para o acaso? Nada pode ser feito a partir do nada: esse é um axioma cuja verdade jamais foi contestada, embora os antigos o fizessem princípio, não do princípio criador, mas da matéria criada, isto é, da natureza sob todas as suas formas. Ora, se um fato se produzisse sem causa, poderíamos dizer que ele surgiu do nada. E, se isso não pode ocorrer, também o acaso, tal como o acabamos de definir, não pode se produzir.'
'Vou então satisfazer o teu desejo', e logo começou da seguinte maneira:
'Se definirmos o acaso como um acontecimento produzido acidentalmente e não por uma seqüência de qualquer tipo de causa, longe de consentir na definição, considero essa palavra absolutamente desprovida de sentido, salvo a significação da realidade a que ela se refere. Com efeito, se Deus obriga todas as coisas a se dobrarem às suas leis, onde haveria lugar para o acaso? Nada pode ser feito a partir do nada: esse é um axioma cuja verdade jamais foi contestada, embora os antigos o fizessem princípio, não do princípio criador, mas da matéria criada, isto é, da natureza sob todas as suas formas. Ora, se um fato se produzisse sem causa, poderíamos dizer que ele surgiu do nada. E, se isso não pode ocorrer, também o acaso, tal como o acabamos de definir, não pode se produzir.'
'Mas quê!', disse eu, 'não há nada que possa ser chamado de acaso ou acidente'? Ou existirá uma outra realidade, que escapa a compreensão dos homens, à qual possam corresponder essas palavras?'
Ela respondeu: 'Aristóteles, a quem eu tanto amo, nos fornece na sua Física uma definição ao mesmo tempo breve e próxima da verdade.'
'E qual é?', perguntei.
'Ele diz que toda vez que uma ação é realizada com um determinado fim, mas algo além do que estava sendo procurado acontece por uma razão ou outra, isto se chama acaso, como por exemplo quando alguém cava o solo para fazer um plantio e encontra ali um tesouro que estava escondido. Pode-se crer com certeza que isso aconteceu fortuitamente e, no entanto, o que ocorre não provém do nada; o acontecimento tem causas próprias, cujo conteúdo imprevisto e inesperado parece ter sido produzido pelo acaso. Pois, se o agricultor não tivesse sulcado o solo e o homem que colocou ali seu dinheiro não o tivesse escondido no local, o ouro nunca teria sido descoberto. Tais são portanto as causas desse ganho fortuito que resulta de uma série de circunstâncias e não de uma ação intencional. Com efeito, nem aquele que enterrou o ouro nem aquele que revolveu seu campo agiram com a finalidade de que esse ouro fosse descoberto; mas, como eu já disse, acontece, por uma soma de circunstâncias, que um revolveu a terra justamente onde o outro havia escondido o ouro. Podemos portanto definir o acaso como um acontecimento inesperado, resultado de uma somatória de circunstâncias, que aparece no meio de ações realizadas com uma finalidade precisa; ora, o que provoca um tal conjunto de circunstâncias é justamente a ordem que procede de um encadeamento inevitável e tem como fonte a Providência, que dispõe todas as coisas em seus lugares e tempo.' (...) "
Boécio - (480 – 524 d.C.)
Ela respondeu: 'Aristóteles, a quem eu tanto amo, nos fornece na sua Física uma definição ao mesmo tempo breve e próxima da verdade.'
'E qual é?', perguntei.
'Ele diz que toda vez que uma ação é realizada com um determinado fim, mas algo além do que estava sendo procurado acontece por uma razão ou outra, isto se chama acaso, como por exemplo quando alguém cava o solo para fazer um plantio e encontra ali um tesouro que estava escondido. Pode-se crer com certeza que isso aconteceu fortuitamente e, no entanto, o que ocorre não provém do nada; o acontecimento tem causas próprias, cujo conteúdo imprevisto e inesperado parece ter sido produzido pelo acaso. Pois, se o agricultor não tivesse sulcado o solo e o homem que colocou ali seu dinheiro não o tivesse escondido no local, o ouro nunca teria sido descoberto. Tais são portanto as causas desse ganho fortuito que resulta de uma série de circunstâncias e não de uma ação intencional. Com efeito, nem aquele que enterrou o ouro nem aquele que revolveu seu campo agiram com a finalidade de que esse ouro fosse descoberto; mas, como eu já disse, acontece, por uma soma de circunstâncias, que um revolveu a terra justamente onde o outro havia escondido o ouro. Podemos portanto definir o acaso como um acontecimento inesperado, resultado de uma somatória de circunstâncias, que aparece no meio de ações realizadas com uma finalidade precisa; ora, o que provoca um tal conjunto de circunstâncias é justamente a ordem que procede de um encadeamento inevitável e tem como fonte a Providência, que dispõe todas as coisas em seus lugares e tempo.' (...) "
Boécio - (480 – 524 d.C.)
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