"Desta vez vou escrever-te um poema que vai ser um poema de amor, mas que não é apenas um poema de amor. O amor, com efeito, é algo que não cabe num poema; pelo contrário, o poema é que pode caber no amor, sobretudo quando te abraço, e sinto os teus cabelos na boca, agora que a tua voz me corre pelos ouvidos como, num dia de verão, a água fresca corre pela garganta. A isto, em retórica, chama-se uma comparação; e pergunto o que é que o amor tem a ver com a retórica, ou por que é e o teu corpo se teme de transformar numa metáfora - rosa, lírio, taça, qualquer objeto que tenha, na sua essência, um elemento que me possa levar até ele, como se fosse preciso, para te tocar, substituir-te por uma outra imagem, ver em ti o que não és, nem tens de ser, ou ainda transformar-te num lugar comum, que é aquilo em que, quase sempre, acabam os poemas de amor.
Nuno Júdice
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