Sei que para lá de ti,
há outros rios,
outros sóis,
outras marés,
que eu não aprendi.
Mas quero-te, apesar daquilo que não és.
Sei que para lá de ti,
há castelos com tesouros que não mereço,
um céu que ri.
E amo-te ainda, por aquilo que desconheço.
Sei que para lá de ti,
espreitam negruras e carreiros de solidão,
que já percorri.
Partir, será ainda solução?
Sei que para lá de ti,
há maravilhas que não me podes dar,
e que eu pedi.
Pode um egoísta como eu, saber amar?
Manuel Filipe
Páginas
Música Brasileira
"Não é bom para o homem estar só mas ele está só, mesmo assim, ele espera e está só, ele adia e está só, só ele sabe que mesmo adiando chegará."
Natan Zach
Natan Zach
sexta-feira, fevereiro 24, 2006
quinta-feira, fevereiro 23, 2006
Nada sei...(Apnéia)
Nada sei dessa vida
Vivo sem saber
Nunca soube, nada saberei
Sigo sem saber
Que lugar me pertence
Que eu possa abandonar?
Que lugar me contém
Que possa me parar?
Sou errada, sou errante
Sempre na estrada
Sempre distante
Vou errando enquanto o tempo me deixar
Nada sei desse mar
Nado sem saber
De seus peixes, suas perdas
De seu não respirar
Nesse mar
Os segundos insistem em naufragar
Esse mar me seduz
Mas é só pra me afogar
Sou errada, sou errante
Sempre na estrada
Sempre distante
Vou errando enquanto o tempo me deixar passar
Vou errando enquanto o tempo me deixar.
Paula Toller e George Israel
Façam ou se recusem a fazer
Façam ou se recusem
a fazer arte, ciência, ofício.
Mas não fiquem apenas nisto,
espiões da vida,
camuflados em técnicos de vida
espiando a multidão passar.
Marchem com as multidões.
Aos espiões nunca foi necessária essa "liberdade"
pela qual tanto se grita.
Nos períodos de maior escravização do indivíduo,
na Grécia e no Egito,
As artes e as ciências não deixaram de florescer.
Será que a liberdade é uma bobagem?...
Não.
A vida humana é que é alguma coisa a mais
que ciências, artes e profissões.
E é nessa vida que a liberdade tem sentido
e é direito dos homens.
A liberdade não é um prêmio,
É uma sanção.
Que há de vir.
Mário de Andrade
a fazer arte, ciência, ofício.
Mas não fiquem apenas nisto,
espiões da vida,
camuflados em técnicos de vida
espiando a multidão passar.
Marchem com as multidões.
Aos espiões nunca foi necessária essa "liberdade"
pela qual tanto se grita.
Nos períodos de maior escravização do indivíduo,
na Grécia e no Egito,
As artes e as ciências não deixaram de florescer.
Será que a liberdade é uma bobagem?...
Não.
A vida humana é que é alguma coisa a mais
que ciências, artes e profissões.
E é nessa vida que a liberdade tem sentido
e é direito dos homens.
A liberdade não é um prêmio,
É uma sanção.
Que há de vir.
Mário de Andrade
terça-feira, fevereiro 21, 2006
Gênesis
De mim não falo mais: não quero nada.
De Deus não falo: não tem outro abrigo.
Não falarei também do mundo antigo,
pois nasce e morre em cada madrugada.
Nem de existir, que é a vida atraiçoada,
para sentir o tempo andar comigo;
Nem de viver, que é liberdade errada,
e foge todo o Amor quando o persigo.
Por mais justiça ...
-Ai quantos que eram novos em vão a esperaram porque nunca a viram!
E a eternidade...
Ó transfusão dos povos!
Não há verdade:
O mundo não a esconde.
Tudo se vê: só se não sabe aonde.
Mortais ou imortais,
Todos mentiram.
Jorge de Sena
De Deus não falo: não tem outro abrigo.
Não falarei também do mundo antigo,
pois nasce e morre em cada madrugada.
Nem de existir, que é a vida atraiçoada,
para sentir o tempo andar comigo;
Nem de viver, que é liberdade errada,
e foge todo o Amor quando o persigo.
Por mais justiça ...
-Ai quantos que eram novos em vão a esperaram porque nunca a viram!
E a eternidade...
Ó transfusão dos povos!
Não há verdade:
O mundo não a esconde.
Tudo se vê: só se não sabe aonde.
Mortais ou imortais,
Todos mentiram.
Jorge de Sena
sexta-feira, fevereiro 17, 2006
Perdida e reencontrada
Se me dizeis o que penso
e que o tempo foi perdido
creio que vos esqueceis
ou do acaso ou da verdade
Perdida na floresta
de esplenderosas verdades
a lua cala-se
e vós dormis
Os meus sonhos não estão à venda
e deles só dou o reflexo
do que queima e que devora
angústia amor à mistura
Philippe Soupault tradução: Jorge de Sena
A queimada
Queime tudo o que puder :
as cartas de amor
as contas telefônicas
o rol de roupas sujas
as escrituras e certidões
as inconfidências dos confrades ressentidos
a confissão interrompida
o poema erótico que ratifica a impotência
e anuncia a arteriosclerose
os recortes antigos e as fotografias amareladas.
Não deixe aos herdeiros esfaimados
nenhuma herança de papel.Seja como os lobos:
more num covil
e só mostre à canalha das ruas os seus dentes afiados.
Viva e morra fechado como um caracol.
Diga sempre não à escória eletrônica.
Destrua os poemas inacabados,
os rascunhos,
as variantes e os fragmentos
que provocam o orgasmo tardio dos filólogos e escoliastas.
Não deixe aos catadores do lixo literário nenhuma migalha.
Não confie a ninguém o seu segredo.
A verdade não pode ser dita.
Ivo Ledo
as cartas de amor
as contas telefônicas
o rol de roupas sujas
as escrituras e certidões
as inconfidências dos confrades ressentidos
a confissão interrompida
o poema erótico que ratifica a impotência
e anuncia a arteriosclerose
os recortes antigos e as fotografias amareladas.
Não deixe aos herdeiros esfaimados
nenhuma herança de papel.Seja como os lobos:
more num covil
e só mostre à canalha das ruas os seus dentes afiados.
Viva e morra fechado como um caracol.
Diga sempre não à escória eletrônica.
Destrua os poemas inacabados,
os rascunhos,
as variantes e os fragmentos
que provocam o orgasmo tardio dos filólogos e escoliastas.
Não deixe aos catadores do lixo literário nenhuma migalha.
Não confie a ninguém o seu segredo.
A verdade não pode ser dita.
Ivo Ledo
quinta-feira, fevereiro 16, 2006
Igual - desigual
Eu desconfiava:
Todas as histórias em quadrinhos são iguais.
Todos os filmes norte-americanos são iguais.
Todos os filmes de todos os países são iguais.
Todos os "best-sellers" são iguais.
Todos os campeonatos nacionais e internacionais de futebol são iguais.
Todos os partidos políticos são iguais.
Todas as histórias em quadrinhos são iguais.
Todos os filmes norte-americanos são iguais.
Todos os filmes de todos os países são iguais.
Todos os "best-sellers" são iguais.
Todos os campeonatos nacionais e internacionais de futebol são iguais.
Todos os partidos políticos são iguais.
Todas as mulheres que andam na moda são iguais.
Todas as experiências de sexo são iguais.
Todos os sonetos, gazéis, virelais, sextinas, e rondóis são iguais
e todos, todos os poemas em verso livre são enfadonhamente iguais.
Todas as guerras do mundo são iguais.
Todas as fomes são iguais.
Todos os amores, iguais, iguais, iguais.
Iguais todos os rompimentos.
A morte é igualíssima.
Todas as criações da natureza são iguais.
Todas as ações, cruéis, piedosas ou indiferentes, são iguais.
Contudo, o homem não é igual a nenhum outro homem, bicho ou coisa.
Não é igual a nada.
Todo ser humano é um estranho ímpar.
Carlos Drummond de Andrade
Todas as experiências de sexo são iguais.
Todos os sonetos, gazéis, virelais, sextinas, e rondóis são iguais
e todos, todos os poemas em verso livre são enfadonhamente iguais.
Todas as guerras do mundo são iguais.
Todas as fomes são iguais.
Todos os amores, iguais, iguais, iguais.
Iguais todos os rompimentos.
A morte é igualíssima.
Todas as criações da natureza são iguais.
Todas as ações, cruéis, piedosas ou indiferentes, são iguais.
Contudo, o homem não é igual a nenhum outro homem, bicho ou coisa.
Não é igual a nada.
Todo ser humano é um estranho ímpar.
Carlos Drummond de Andrade
domingo, fevereiro 12, 2006
Para quem ainda vier a me amar
"Quero dizer que te amo só de amor. Sem idéias, palavras, pensamentos. Quero fazer que te amo só de amor. Com sentimentos, sentidos, emoções. Quero curtir que te amo só de amor. Olho no olho, cara a cara, corpo a corpo. Quero querer que te amo só de amor.
São sombras as palavras no papel. Claro-escuros projetados peloamor, dos delírios e dos mistérios do prazer. Apenas sombras as palavras no papel. Ser-não-ser refratados pelo amor no sexo e nos sonhos dos amantes. Fátuas sombras as palavras no papel.
Meu amor te escrevo feito um poema de carne, sangue, nervos e sêmen. São versos que pulsam, gemem e fecundam.
São sombras as palavras no papel. Claro-escuros projetados peloamor, dos delírios e dos mistérios do prazer. Apenas sombras as palavras no papel. Ser-não-ser refratados pelo amor no sexo e nos sonhos dos amantes. Fátuas sombras as palavras no papel.
Meu amor te escrevo feito um poema de carne, sangue, nervos e sêmen. São versos que pulsam, gemem e fecundam.
Meu poema se encanta feito o amor dos bichos livres às urgências dos cios e que jogam, brincam, cantam e dançam fazendo o amor como faço o poema.
Quero da vida as claras superfícies onde terminam e começam meus amores. Eu te sinto na pele, não no coração. Quero do amor as tenras superfícies onde a vida é lírica porque telúrica, onde sou épico porque ébrio e lúbrico. Quero genitais todas as nossas superfícies.
Não há limites para o prazer, meu grande amor, mas virá sempre antes, não depois da excitação. Meu grande amor, o infinito é um recomeço. Não há limites para se viver um grande amor. Mas só te amo porque me dás o gozo e não gozo mais porque eu te amo. Não há limites para o fim de um grande amor.
Nossa nudez, juntos, não se completa nunca, mesmo quando se tornam quentes e congestionadas, úmidas e latejantes todas as mucosas. A nudez a dois não acontece nunca, porque nos vestimos um com o corpo do outro, para inventar deuses na solidão do nós. Por isso a nudez, no amor, não satisfaz nunca.
Porque eu te amo, tu não precisas de mim. Porque tu me amas, eu não preciso de ti. No amor, jamais nos deixamos de completar. Somos, um para o outro, deliciosamente desnecessários.
O amor é tanto, não quanto. Amar é enquanto, portanto. Ponto."
Quero da vida as claras superfícies onde terminam e começam meus amores. Eu te sinto na pele, não no coração. Quero do amor as tenras superfícies onde a vida é lírica porque telúrica, onde sou épico porque ébrio e lúbrico. Quero genitais todas as nossas superfícies.
Não há limites para o prazer, meu grande amor, mas virá sempre antes, não depois da excitação. Meu grande amor, o infinito é um recomeço. Não há limites para se viver um grande amor. Mas só te amo porque me dás o gozo e não gozo mais porque eu te amo. Não há limites para o fim de um grande amor.
Nossa nudez, juntos, não se completa nunca, mesmo quando se tornam quentes e congestionadas, úmidas e latejantes todas as mucosas. A nudez a dois não acontece nunca, porque nos vestimos um com o corpo do outro, para inventar deuses na solidão do nós. Por isso a nudez, no amor, não satisfaz nunca.
Porque eu te amo, tu não precisas de mim. Porque tu me amas, eu não preciso de ti. No amor, jamais nos deixamos de completar. Somos, um para o outro, deliciosamente desnecessários.
O amor é tanto, não quanto. Amar é enquanto, portanto. Ponto."
Roberto Freire
quarta-feira, fevereiro 08, 2006
Carta (Esboço)
"Lembro-me agora que tenho de marcar um encontro contigo, num lugar em que ambos nos possamos falar, de fato, sem que nenhuma das ocorrências da vida venha interferir no que temos para nos dizer.
Muitas vezes me lembrei que esse lugar podia ser, até, um lugar sem nada de especial, como um canto de café, em frente de um espelho que poderia servir até de pretexto para refletir a alma, a impressão da tarde, o último estertor do dia antes de nos despedirmos, quando é preciso encontrar uma fórmula que disfarce o que, afinal, não conseguimos dizer.
É que o amor nem sempre é uma palavra de uso, aquela que permite a passagem à comunicação mais exata de dois seres, a não ser que nos fale, de súbito, o sentido da despedida, e cada um de nós leve, consigo, o outro, deixando atrás de si o próprio ser, como se uma troca de almas fosse possível neste mundo.
Então, é natural que voltes atrás e me peças: "Vem comigo!", e devo dizer-te que muitas vezes pensei em fazer isso mesmo, mas era tarde, isto é, a porta tinha-se fechado até outro dia, que é aquele que acaba por nunca chegar, e então as palavras caem no vazio, como se nunca tivessem sido pensadas.
No entanto, ao escrever-te para marcar um encontro contigo, sei que é irremediável o que temos para dizer uma ao outro: a confissão mais exata, que é também a mais absurda, de um sentimento; e, por trás disso, a certeza de que o mundo há-de ser outro no dia seguinte, como se o amor, de fato, pudesse mudar as cores do céu, do mar, da terra, e do próprio dia em que nos vamos encontrar; que há-de ser um dia azul, de verão, em que o vento poderá soprar do norte, como se fosse daí que viessem, nesta altura, as coisas mais precisas, que são as nossas: o verde das folhas e o amarelo das pétalas, o vermelho do sol e o branco dos muros."
Nuno Júdice
segunda-feira, fevereiro 06, 2006
Limite possível...
"Eu vou lhe contar que você não me conhece. Eu tenho que gritar isso porque você está surdo e não me ouve. A sedução me escraviza a você, ao fim de tudo você permanece comigo, mas preso ao que eu criei e não a mim. E quanto mais falo sobre a verdade inteira um abismo maior nos separa.
Você não tem um nome, eu tenho. Você é um rosto na multidão e eu sou o centro das atenções. Mas a mentira da aparência que eu sou e a mentira da aparência que você é, porque eu não sou meu nome e você não é ninguém.
O jogo perigoso que eu pratico aqui, ele busca chegar ao limite possível de aproximação através da aceitação da distância e do reconhecimento dela. Entre eu e você existe a notícia, que nos separa.
Eu quero que você me veja a mim. Eu me dispo da notícia. E a minha nudez parada te denuncia e te espelha. Eu me delato, tu me relatas. Eu nos acuso e confesso por nós. Assim me livro das palavras com as quais você me veste".
Fauzi Arap in: http://www.papeldepao.com.br
Você não tem um nome, eu tenho. Você é um rosto na multidão e eu sou o centro das atenções. Mas a mentira da aparência que eu sou e a mentira da aparência que você é, porque eu não sou meu nome e você não é ninguém.
O jogo perigoso que eu pratico aqui, ele busca chegar ao limite possível de aproximação através da aceitação da distância e do reconhecimento dela. Entre eu e você existe a notícia, que nos separa.
Eu quero que você me veja a mim. Eu me dispo da notícia. E a minha nudez parada te denuncia e te espelha. Eu me delato, tu me relatas. Eu nos acuso e confesso por nós. Assim me livro das palavras com as quais você me veste".
Fauzi Arap in: http://www.papeldepao.com.br
domingo, fevereiro 05, 2006
Sinceramente
"Eu não digo que eu tenha muito, mas tenho ainda a procura intensa e uma esperança violenta. Não esta sua voz baixa e doce. E eu não choro, se for preciso um dia eu grito ... Estou em plena luta e muito mais perto do que se chama de pobre vitória humana do que você, mas é vitória.
Eu já poderia ter você com o meu corpo e minha alma. Esperarei nem que sejam anos que você também tenha corpo-alma para amar. Nós ainda somos moços, podemos perder algum tempo sem perder a vida inteira. Mas olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia.
Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceito o que não se entende porque não queremos passar por tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que já não tenha sido catalogada. Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas. Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos.
Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo. Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda. Temos procurado nos salvar mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tantos outros contraditórios. Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar nossa vida possível.
Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gafe. Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer “pelo menos não fui tolo” e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia.
Mas eu escapei disso, ... escapei com a ferocidade com que se escapa da peste."
Clarice Lispector in: "Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres"
Eu já poderia ter você com o meu corpo e minha alma. Esperarei nem que sejam anos que você também tenha corpo-alma para amar. Nós ainda somos moços, podemos perder algum tempo sem perder a vida inteira. Mas olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia.
Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceito o que não se entende porque não queremos passar por tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que já não tenha sido catalogada. Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas. Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos.
Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo. Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda. Temos procurado nos salvar mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tantos outros contraditórios. Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar nossa vida possível.
Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gafe. Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer “pelo menos não fui tolo” e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia.
Mas eu escapei disso, ... escapei com a ferocidade com que se escapa da peste."
Clarice Lispector in: "Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres"
sexta-feira, fevereiro 03, 2006
Pessoal intransferível
"escute, meu chapa:
um poeta não se faz com versos.
é o risco,
é estar sempre a perigo sem medo,
é inventar o perigo e estar sempre recriando dificuldades
pelo menos maiores,
é destruir a linguagem e explodir com ela.
nada no bolso e nas mãos. sabendo:
perigoso, divino, maravilhoso.
poetar é simples,
como dois e dois são quatro
sei que a vida vale a pena etc.
difícil é não correr com os versos debaixo do braço.
difícil é não cortar o cabelo quando a barra pesa.
difícil, pra quem não é poeta,
é não trair a sua poesia, que, pensando bem,
não é nada,
se você está sempre pronto a temer tudo;
menos o ridículo de declamar versinhos sorridentes.
e sair por aí,
ainda por cima sorridente mestre de cerimônias,
"herdeiro" da poesia dos que levaram a coisa até o fim
e continuam levando,
graças a Deus.
e fique sabendo:
quem não se arrisca não pode berrar.
citação:
leve um homem e um boi ao matadouro.
o que berrar mais na hora do perigo é o homem, nem que seja o boi.
adeusão."
Torquato Neto
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