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Música Brasileira

"Não é bom para o homem estar só mas ele está só, mesmo assim, ele espera e está só, ele adia e está só, só ele sabe que mesmo adiando chegará."
Natan Zach

quarta-feira, janeiro 11, 2006

Livro de Horas

Aqui
diante de mim,
eu,
pecador,
me confesso
de ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau que vão ao leme
da nau nesta deriva em que vou.

Me confesso possesso das virtudes teologais,
que são três,e dos pecados mortais,
que são sete, quando a terra não repete que são mais.

Me confesso o dono das minhas horas.
O das facadas cegas e raivosas,
e o das ternuras lúcidas e mansas.
E de ser de qualquer modo andanças do mesmo todo.

Me confesso de ser charco e luar de charco, à mistura.
De ser a corda do arco que atira setas
acima e abaixo da minha altura.

Me confesso de ser tudo que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão desta minha condição.
Me confesso de Abel e de Caim.

Me confesso de ser Homem.
De ser um anjo caído do tal céu que Deus governa;
de ser um monstro saído do buraco
mais fundo da caverna.

Me confesso de ser eu.
Eu,
tal e qual como vim para dizer
que sou eu aqui,
diante
de
mim!

Miguel Torga

Um comentário:

Destinyth disse...

Oi Sol, legal ver aqui um texto do Torga. O "descobri" quase por acaso, há uns anos, através de um poema...Brasil. Em Livro de Horas, ele que não gostava de ambiguidades no escrever, mostra a ambiguidade do homem e dele mesmo. Lindo texto. Beijokas!