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Música Brasileira

"Não é bom para o homem estar só mas ele está só, mesmo assim, ele espera e está só, ele adia e está só, só ele sabe que mesmo adiando chegará."
Natan Zach

sexta-feira, outubro 14, 2011

Um despertar

Estava emparedado dentro de um sonho,
Seus muros não tinham consistência 
Nem peso: seu vazio era seu peso. 
Os muros eram horas e as horas 
Fixo e acumulado pesar. 
O tempo dessas horas não era tempo. 
Saltei por uma fenda: às quatro 
Deste mundo.

O quarto era meu quarto 
E em cada coisa estava meu fantasma. 
Eu não estava. 
Olhei pela janela: Sob a luz elétrica nem uma viva alma. 
Reflexos na vela, neve suja, 
Casas e carros adormecidos, a insônia
De uma lâmpada, o carvalho que fala solitário, 

O vento e suas navalhas, a escritura 
Das constelações, ilegíveis.
Em si mesmas as coisas se abismavam
E meus olhos de carne as viam 
Oprimidas de estar, realidades 
Despojadas de seus nomes. Meus dois olhos 
Eram almas penadas pelo mundo.

Na rua vazia a presença 
Passava sem passar, desvanecida 
Em suas formas, fixa em suas mudanças,
E em volta casas, carvalhos, neve, tempo.
Vida e morte fluíam confundidas.
Olhar desabitado, a presença 
Com os olhos de nada me fitava:
Véu de reflexos sobre precipícios. 

Olhei para dentro: o quarto era meu quarto
E eu não estava. 
A ele nada falta - sempre fiel a si, jamais o mesmo - ainda que nós já não estejamos... 
Fora contudo indecisas, claridades: 
a Alba entre confusos telhados.
E as constelações que se apagavam.

Octávio Paz

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