"(...) A manhã que despontou estava cheia de pássaros e de ar fresco. O sol subiu rapidamente e de um salto ficou acima do horizonte. A terra cobriu-se de ouro e de calor. Na manhã, o céu e o mar se salpicavam de luzes azuis e amarelas, com grandes manchas que saltavam. Um vento leve erguera-se, e pelas janelas um ar com gosto de sal vinha refrescar as mãos de Mersault. Ao meio-dia o vento cessou, o dia explodiu como um fruto maduro e sobre toda a extensão do mundo escorreu como um suco morno e sufocante, ao som de um repentino concerto de cigarras. O mar cobriu-se deste suco dourado como um óleo e devolveu à terra esmagada pelo sol um sopro quente, que a impregnou, exalando cheiros de absinto, de alecrim e de pedra quente. Da cama, Mersault captou esse choque e essa oferenda e abriu os olhos sobre o mar imenso e curvo, reluzente, povoado de sorrisos de seus deuses. Deu-se conta, de repente, de que estava sentado na cama e que o rosto de Lucienne estava bem perto do seu. Lentamente subia dentro dele, como que desde o ventre, uma pedra que se encaminhava para a garganta. Respirava cada vez mais rápido, aproveitando as passagens. A coisa continuava a subir. Olhou para Lucienne. Sorriu sem uma crispação, e também esse sorriso vinha do interior. Recostou-se na cama, sentindo a lenta subida que havia em si. Olhou para os lábios inchados de Lucienne e, por trás dele, o sorriso da terra. Ele os via com o mesmo olhar e com o mesmo desejo. "Daqui a um minuto, daqui a um segundo", pensou. A subida terminara. E, pedra entre as pedras, ele retornou, na alegria de seu coração, à verdade dos mundos imóveis."
Albert Camus
Albert Camus
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