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Música Brasileira

"Não é bom para o homem estar só mas ele está só, mesmo assim, ele espera e está só, ele adia e está só, só ele sabe que mesmo adiando chegará."
Natan Zach

terça-feira, novembro 30, 2010

A Morte Feliz (Trecho)

Leaving_by_ukapala-a sOoL!! "(...) A manhã que despontou estava cheia de pássaros e de ar fresco. O sol subiu rapidamente e de um salto ficou acima do horizonte. A terra cobriu-se de ouro e de calor. Na manhã, o céu e o mar se salpicavam de luzes azuis e amarelas, com grandes manchas que saltavam. Um vento leve erguera-se, e pelas janelas um ar com gosto de sal vinha refrescar as mãos de Mersault. Ao meio-dia o vento cessou, o dia explodiu como um fruto maduro e sobre toda a extensão do mundo escorreu como um suco morno e sufocante, ao som de um repentino concerto de cigarras. O mar cobriu-se deste suco dourado como um óleo e devolveu à terra esmagada pelo sol um sopro quente, que a impregnou, exalando cheiros de absinto, de alecrim e de pedra quente. Da cama, Mersault captou esse choque e essa oferenda e abriu os olhos sobre o mar imenso e curvo, reluzente, povoado de sorrisos de seus deuses. Deu-se conta, de repente, de que estava sentado na cama e que o rosto de Lucienne estava bem perto do seu. Lentamente subia dentro dele, como que desde o ventre, uma pedra que se encaminhava para a garganta. Respirava cada vez mais rápido, aproveitando as passagens. A coisa continuava a subir. Olhou para Lucienne. Sorriu sem uma crispação, e também esse sorriso vinha do interior. Recostou-se na cama, sentindo a lenta subida que havia em si. Olhou para os lábios inchados de Lucienne e, por trás dele, o sorriso da terra. Ele os via com o mesmo olhar e com o mesmo desejo. "Daqui a um minuto, daqui a um segundo", pensou. A subida terminara. E, pedra entre as pedras, ele retornou, na alegria de seu coração, à verdade dos mundos imóveis."

Albert Camus

segunda-feira, novembro 29, 2010

As Balas

CristoRedentor-R.J-dmpweb- a sOoL!!Dá o Outono as uvas e o vinho
Dos olivais o azeite nos é dado
Dá a cama e a mesa o verde pinho
As balas dão o sangue derramado

Dá a chuva o Inverno criador
As sementes dá sulcos o arado
No lar a lenha em chama dá calor
As balas dão o sangue derramado

Dá a Primavera o campo colorido
Glória e coroa do mundo renovado
Aos corações dá amor renascido
As balas dão o sangue derramado

Dá o Sol as searas pelo Verão
O fermento ao trigo amassado
No esbraseado forno dá o pão
As balas dão o sangue derramado

Dá cada dia ao homem novo alento
De conquistar o bem que lhe é negado
Dá a conquista um puro sentimento
As balas dão o sangue derramado

Do meditar, concluir, ir e fazer
Dá sobre o mundo o homem atirado
À paz de um mundo novo de viver
As balas dão o sangue derramado

Dá a certeza o querer e o concluir
O que tanto nos nega o ódio armado
Que a vida construir é destruir
Balas que o sangue derramado

Que as balas só dão sangue derramado
Só roubo e fome e sangue derramado
Só ruína e peste e sangue derramado
Só crime e morte e sangue derramado.

Manuel da Fonseca

quinta-feira, novembro 25, 2010

Dúvidas apócrifas de Marianne Moore

The_Enlightened_raun - a sOoL!!Sempre evitei falar de mim,
falar-me. Quis falar de coisas.
Mas na seleção dessas coisas
não haverá um falar de mim?

Não haverá nesse pudor
de falar-me uma confissão,
uma indireta confissão,
pelo avesso, e sempre impudor?

A coisa de que se falar
até onde está pura ou impura?
Ou sempre se impõe, mesmo impura-
mente, a quem dela quer falar?

Como saber, se há tanta coisa
de que falar ou não falar?
E se o evitá-la, o não falar,
é forma de falar da coisa?

João Cabral de Mello Neto.

terça-feira, novembro 23, 2010

Tintura

CamiloTavares_OsRetirantesDaSecaDoNordeste1982-a sOoL!!"Menino venha cá faz favor de levar meu recado!

Avisa aos daquele lado que hoje, como sem falta, Van Gogh pinta...

Pinta mais um quadro.

Menino venha cá faz favor de levar o meu recado!

Avisa aos descamisados que hoje, como sem falta, Van Gogh vende...

Vende mais um quadro.


Tela da rede que encerre a parede por onde nenhuma paisagem consola.

Tela transborda a minha sede eu pinto a garganta com as cores que eu sei.


Obá, obá!

Vou te mandar a orelha

pra que você possa escutar

o barulho do mar.


VanGogh-TheRedVineyardAtArles/1888-a sOoL!! Uma coisa que gira, que vira

que nos atina o mundo,

mundo que acaba num sol,

num só

amarelo fundo."


Gero Camilo