1
"Fosse apenas o desespero da ocasião
da descarga
de palavreado
perguntando se não será melhor
abortar que ser estéril
as horas tão pesadas
depois de te ires embora
começarão sempre a arrastar-se
cedo de mais as garras
agarradas às cegas à cama da fome
trazendo à tona os ossos
os velhos amores
órbitas vazias
cheias em tempos de olhos
como os teus sempre
todas perguntando se será melhor
cedo de mais do que nunca
com a fome negra a manchar-lhes as caras
a dizer outra vez
nove dias sem nunca flutuar o amado
nem nove meses
nem nove vidas
"Fosse apenas o desespero da ocasião
da descarga
de palavreado
perguntando se não será melhor
abortar que ser estéril
as horas tão pesadas
depois de te ires embora
começarão sempre a arrastar-se
cedo de mais as garras
agarradas às cegas à cama da fome
trazendo à tona os ossos
os velhos amores
órbitas vazias
cheias em tempos de olhos
como os teus sempre
todas perguntando se será melhor
cedo de mais do que nunca
com a fome negra a manchar-lhes as caras
a dizer outra vez
nove dias sem nunca flutuar o amado
nem nove meses
nem nove vidas
2
A dizer outra vez se não me ensinares eu não aprendo
a dizer outra vez que há uma última vez
mesmo para as últimas vezes últimas vezes em que se implora
últimas vezes em que se ama em que se sabe e não se sabe
em que se finge uma última vez mesmo para as últimas vezes
em que se diz se não me amares eu não serei amado
se eu não te amar eu não amarei palavras rançosas
a resolver outra vez no coração
amor amor amor
pancada de velha batedeira pilando o sono inalterável das palavras
aterrorizado outra vez
de não amar de amar
e não seres tu de ser amado
e não ser por ti
de saber e não saber
e fingir e fingir eu e todos os outros
que te hão-de amar se te amarem
3
A não ser que te amem..."
Samuel Beckett - trad. Miguel Esteves Cardoso
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