Páginas

Música Brasileira

"Não é bom para o homem estar só mas ele está só, mesmo assim, ele espera e está só, ele adia e está só, só ele sabe que mesmo adiando chegará."
Natan Zach

sábado, outubro 28, 2006

Chão de palavras

Little_Fairy_by_DexterousDamsel-a sOoL!!A cidade é um chão de palavras pisadas
a palavra criança a palavra segredo.

A cidade é um céu de palavras paradas
a palavra distância e a palavra medo.

A cidade é um saco um pulmão que respira
pela palavra água pela palavra brisa.

A cidade é um poro um corpo que transpira
pela palavra sangue pela palavra ira.

A cidade tem praças de palavras abertas
como estátuas mandadas apear.

A cidade tem ruas de palavras desertas
como jardins mandados arrancar.

A palavra sarcasmo é uma rosa rubra.
A palavra silêncio é uma rosa chá.

Não há céu de palavras que a cidade não cubra
não há rua de sons que a palavra não corra
à procura da sombra de uma luz que não há.

José Carlos Ary dos Santos

terça-feira, outubro 24, 2006

Há Noites

Há noites que são feitas dos meus braços
E um silêncio comum às violetas.
E há sete luas que são sete traços
De sete noites que nunca foram feitas.

Há noites que leva-nos à cintura
Como um cinto de grandes borboletas.
E um risco a sangue na nossa carne escura
Duma espada à bainha dum cometa.

sun_rose_by_avenescent-a sOoL!!
Há noites que nos deixam para trás
Enrolados no nosso desencanto
E cisnes brancos que só são iguais
A mais longínqua onda do seu canto.
Há noites que nos levam para onde
O fantasma de nós fica mais perto;
E é sempre a nossa voz que nos responde
E só o nosso nome estava certo.

Há noites que são lírios e são feras
E a nossa exatidão de rosa vil
Reconcilia no frio das esferas
Os astros que se olham de perfil.

Natália Correia

sábado, outubro 14, 2006

Construção da Noite

Lifes_like_a_Tree_by_x_horizon-a sOoL!!"No casulo há um homem
Mas o fundo é outro lado;
No casulo de seu tempo
Há um homem
Mas o fundo é outro lado.

É o casulo
Onde o homem foi achado
Mas o fundo é outro lado.
É o terreno
Onde o homem foi lavrado
Mas o fundo é outro lado.

É a treva
Onde o homem foi fechado
Mas o fundo é outro lado.

É o silêncio
De um homem soterrado.

Mas o fundo é outro lado
Mas o fundo é outro lado.

É a infância que nasce sobre o morto
É a infância que cresce sobre o morto,
É o sol que madruga no seu rosto,
É um homem que salta do sol-posto
E convoca outros homens para o sonho.

E mistura-se à terra
E mistura-se ao sonho
E o canto recomeça além do sonho,
Além da escuridão, além do lago.
Mas o fundo é o outro lado.

Mas o fundo principia
Sem passado,
Sem os montes, sem os barcos,
Sem o lago.

Tua vida verdadeira é o outro lado,
Tua terra verdadeira é o outro lado,
Tua herança verdadeira é o outro lado.

Tudo cessa
Tudo cessa
Tudo cessa
Mas o mundo
É o outro lado
Que começa. "

Carlos Nejar in: http://ideias-soltas.weblog.com.pt

domingo, outubro 01, 2006

Hino dos Comedidos

stonewingsstillfly-a sOoL!!

"Não me agradam esse homens
bem fracionados no tempo,
cedendo-se amavelmente
em todas as ocasiões
e mais também
não me agradam
os partidários tão vários,
de toda moderação.

Vou passando bem distante
desses homens comedidos.
deses homens moderados.

Antônio guarda seu vinho
muito mais de vinte anos
para bebê-lo mais velho...
Clara não estréia o vestido
quer outra oportunidade.

Os noivos em castidade
bem além de doze anos
ainda apregoam o amor.

Os homens de ferro
hoje só sabem anunciar
uma mensagem de espera.

Aguarda a felicidade,
vê o momento oportuno,
não penses nunca em amor...
Nem sejas tão ansioso,
resiste à melhor viagem
desconhece a emoção.

O hino dos comedidos
de todos bem fracionados
a humanidade invadiu.

Desejam oportuníssimos,
sempre expelindo relógios
aguardam os melhores instantes
subdivididos em prazos,
doutrinam sincronizados,
sofrendo convencionais
apenas grandes tristezas
creditadas nos jornais.

Eu? Eu já sou diferente.
Não sei viver minha vida
entoada nesse hino
esterelizada em prazos
de regras universais.

Não me situo na espera
e por profissão de fé,
acredito em circunstância,
acredito em vida intensa,
acredito que se sofra,
mesmo muito, por amor.

Adeus homens moderados,
adeus que sou diferente.
Compreendo a mulher
que rasga as vestes
em grande dor
e sinto imensa ternura
pelo homem desesperado."

Lupe Cotrin

Biografia

Imaginary_by_TheTragicTruth_Of_Me-a sOoL!!

Sonho, mas não parece.
Nem quero que pareça.
É por dentro que eu gosto que aconteça
A minha vida.
Íntima, funda, como um sentimento
De que se tem pudor.

Vulcão de exterior tão apagado,
Que um pastor
Possa sobre ele apascentar o gado.

Mas os versos, depois,
Frutos do sonho e dessa mesma vida,
É quase à queima-roupa que os atiro
Contra a serenidade de quem passa.
Então, já não sou eu que testemunho
A graça
Da poesia:
É ela, prisioneira,
Que, vendo a porta da prisão aberta,
Como chispa que salta da fogueira,
Numa agressiva fúria se liberta.

Miguel Torga