Nem se chega a saber como
um inusitado sorriso,
um volver de olhos doentes,
um caminhar indeciso e cego por entre as gentes,
chamam a si, aglutinam, essa dor que anda suspensa
(e é dor de toda a maneira)
como o vapor se condensa sobre núcleos de poeira.
É essa angústia latente boiando no ar parado
É essa angústia latente boiando no ar parado
como um trovão iminente,
que em muda voz se pressente
num simples olhar trocado.
Essa angústia universal,
Essa angústia universal,
esse humano desespero,
revela-se num sinal,
numa ferida natural
que rói com lento exagero.
Não deita sangue nem pus,
Não deita sangue nem pus,
não se mede nem se pesa,
não diz, não chora, não reza, não se explica
nem traduz.
A gente chega,
A gente chega,
respira,
olha,
sorri,
cumprimenta,
fala
do frio que apoquenta
ou
do suor que transpira,
e pronto,
sem saber como,
inútil,
seco,
vazio,
cai na penumbra do rio,
emerge,
bóia,
soçobra,
fácil e desinteressado
como um papel que se dobra
por onde já foi dobrado.
António Gedeão
António Gedeão
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