"Um dia pensarei que passei por ti como passam os pássaros por este campo que há de tornar-se seco, no inverno; e que a primavera que vivemos não há de voltar, ao contrário dessa que todos os anos sucede ao inverno, trazendo consigo esses pássaros de que me lembro ao pensar que estou sem ti, agora que todas as viagens chegaram ao fim, e uma pausa se prolonga até se tornar definitiva.
Mas não é por pensar isso que me sinto longe de ti: o que talvez me faça sofrer, como se o sofrimento não fosse uma parte do amor, e se substitua a ele, quando o tempo impõe as suas regras, e nos lembra que dependemos de pequenas coisas para que tudo mude, de um dia para o outro, tornando-nos outros do que fomos, embora continuemos a sentir o que sempre sentimos.
Então, dirás, alguma coisa valeu a pena?
E eu respondo que a migração dos pássaros é um sintoma de que os hábitos não mudam quando queremos; e a vontade dos que querem ficar leva-os à morte, como se entre morrer e amar houvesse um elo que não sabemos de onde vem, mas se manifesta na melancolia de um bater de asas, sob os ramos da árvore, quando o céu de chuva impede o voo para cima dos seus ramos. Mesmo que peguemos nessa ave, de pouco servirá: o seu destino foi escolhido por ela, e quando isso acontece nada podemos fazer. Debate-se, procurando escapar aos dedos que a prendem; e esse gesto leva-a para onde não lhe chegamos, a não ser com o olhar, sabendo que no dia seguinte o ramo irá ficar vazio.
Assim, voltei ao café onde tantas vezes te esperei: e não havia ninguém na mesa, como se a maldição tivesse tomado conta do lugar.
É do inverno, disse o patrão, ninguém sai de casa com este tempo.
Não lhe dei outras razões. O que eu sei, levaste-o contigo, neste inverno em que nem os pássaros querem ficar".
Nuno Júdice
E eu respondo que a migração dos pássaros é um sintoma de que os hábitos não mudam quando queremos; e a vontade dos que querem ficar leva-os à morte, como se entre morrer e amar houvesse um elo que não sabemos de onde vem, mas se manifesta na melancolia de um bater de asas, sob os ramos da árvore, quando o céu de chuva impede o voo para cima dos seus ramos. Mesmo que peguemos nessa ave, de pouco servirá: o seu destino foi escolhido por ela, e quando isso acontece nada podemos fazer. Debate-se, procurando escapar aos dedos que a prendem; e esse gesto leva-a para onde não lhe chegamos, a não ser com o olhar, sabendo que no dia seguinte o ramo irá ficar vazio.
Assim, voltei ao café onde tantas vezes te esperei: e não havia ninguém na mesa, como se a maldição tivesse tomado conta do lugar.
É do inverno, disse o patrão, ninguém sai de casa com este tempo.
Não lhe dei outras razões. O que eu sei, levaste-o contigo, neste inverno em que nem os pássaros querem ficar".
Nuno Júdice
Nenhum comentário:
Postar um comentário