"(...) Eros, afirma Diotima, não é um deus - não é belo nem bom -, nem é um mortal - não é feio nem mau. Nem imortal nem mortal, Eros é um daímon, intermediário entre deuses e homens, criador de laços entre eles. Qual sua origem?
Quando nasceu Afrodite, todos os deuses foram convidados para o festim, esquecendo-se de convidar Penia (a Penúria). Escondida do lado de fora, ao término da festa Penia esgueira-se pelos jardins para comer os restos. Vê, adormecido pelo vinho, Poros (o Engenho), filho de Métis (a Prudência Astuta). Deseja um filho dele. Deita-se ao seu lado e concebe Eros. Por haver sido concebido no dia do nascimento de Afrodite, a bela, Eros ama o belo. Triste é seu destino: como sua mãe, vive maltrapilho, sem teto, sem leito, dormindo pelas ruas e nos umbrais das portas, sempre carente, faminto; como seu pai, é audaz, astuto, grande caçador que não larga a presa, maquinador, hábil feiticeiro e sofista, deseja tudo quanto seja belo e aspira a tudo conhecer. "No mesmo dia, floresce e vive, morre e renasce, nunca opulento, nem completamente desvalido", diz Diotima.
Não sendo deus nem tolo, ama a sabedoria. Se fosse um deus, não poderia amá-la, pois não se ama o que já se possui; se fosse tolo, julgar-se-ia perfeito e completo e não poderia desejar aquilo cuja falta não poderia notar. Eros é o desejo: carência em busca de plenitude. Eros ama. O que ama o Amor? O que dura, o perene, imortal. Ama o bem, pois amar é desejar que o bom nos pertença para sempre. Por isso, Eros cria nos corpos o desejo sexual e o desejo da procriação, que imortaliza os mortais. O que é o Amor nos corpos bons? Sua beleza exterior e interior. Amando o belo exterior, Eros nos faz desejar as coisas belas; amando o belo interior, Eros nos faz desejar as almas belas.
O amor dos corpos concebe e engendra a imagem da imortalidade: os filhos, também mortais. O amor das almas belas concebe e engendra o primeiro acesso à verdadeira imortalidade: as virtudes. Os corpos mortais geram filhos mortais. As almas imortais geram virtudes imortais.
Onde reside o belo nas coisas corporais? Na perfeição de suas ações, de seus discursos e de seus pensamentos - em suas qualidades de inteligência. Assim, no coração da alma imortal anuncia-se o perfeito imperecível: a beleza do saber, a manifestação do lógos (Princípio), a ciência.
Que deseja o desejo? Que ama o amor? A beleza imperecível, seu supremo e único Bem. Que é desejar-amar o Belo-Bem? Desejar possuí-lo participando de sua bondade-beleza. Como participar do objeto do desejo-amor? Pelo conhecimento. Eros é desejo de saber: filosofia. Na contemplação da beleza-bondade - isto é, da idéia do Bem e da Beleza - os humanos alcançam a ciência ou o saber, por meio do qual concebem, engendram e dão nascimento às virtudes e através delas se tornam imortais.
Desejo de formosura - da forma bela ou da bela forma -, eis a essência de Eros. É isto que a tradição consagrou com a expressão Amor Platônico. (...)"
Platão - Trecho de O "Banquete" in: Introdução à Filosofia, Marilena Chauí
Quando nasceu Afrodite, todos os deuses foram convidados para o festim, esquecendo-se de convidar Penia (a Penúria). Escondida do lado de fora, ao término da festa Penia esgueira-se pelos jardins para comer os restos. Vê, adormecido pelo vinho, Poros (o Engenho), filho de Métis (a Prudência Astuta). Deseja um filho dele. Deita-se ao seu lado e concebe Eros. Por haver sido concebido no dia do nascimento de Afrodite, a bela, Eros ama o belo. Triste é seu destino: como sua mãe, vive maltrapilho, sem teto, sem leito, dormindo pelas ruas e nos umbrais das portas, sempre carente, faminto; como seu pai, é audaz, astuto, grande caçador que não larga a presa, maquinador, hábil feiticeiro e sofista, deseja tudo quanto seja belo e aspira a tudo conhecer. "No mesmo dia, floresce e vive, morre e renasce, nunca opulento, nem completamente desvalido", diz Diotima.
Não sendo deus nem tolo, ama a sabedoria. Se fosse um deus, não poderia amá-la, pois não se ama o que já se possui; se fosse tolo, julgar-se-ia perfeito e completo e não poderia desejar aquilo cuja falta não poderia notar. Eros é o desejo: carência em busca de plenitude. Eros ama. O que ama o Amor? O que dura, o perene, imortal. Ama o bem, pois amar é desejar que o bom nos pertença para sempre. Por isso, Eros cria nos corpos o desejo sexual e o desejo da procriação, que imortaliza os mortais. O que é o Amor nos corpos bons? Sua beleza exterior e interior. Amando o belo exterior, Eros nos faz desejar as coisas belas; amando o belo interior, Eros nos faz desejar as almas belas.
O amor dos corpos concebe e engendra a imagem da imortalidade: os filhos, também mortais. O amor das almas belas concebe e engendra o primeiro acesso à verdadeira imortalidade: as virtudes. Os corpos mortais geram filhos mortais. As almas imortais geram virtudes imortais.
Onde reside o belo nas coisas corporais? Na perfeição de suas ações, de seus discursos e de seus pensamentos - em suas qualidades de inteligência. Assim, no coração da alma imortal anuncia-se o perfeito imperecível: a beleza do saber, a manifestação do lógos (Princípio), a ciência.
Que deseja o desejo? Que ama o amor? A beleza imperecível, seu supremo e único Bem. Que é desejar-amar o Belo-Bem? Desejar possuí-lo participando de sua bondade-beleza. Como participar do objeto do desejo-amor? Pelo conhecimento. Eros é desejo de saber: filosofia. Na contemplação da beleza-bondade - isto é, da idéia do Bem e da Beleza - os humanos alcançam a ciência ou o saber, por meio do qual concebem, engendram e dão nascimento às virtudes e através delas se tornam imortais.
Desejo de formosura - da forma bela ou da bela forma -, eis a essência de Eros. É isto que a tradição consagrou com a expressão Amor Platônico. (...)"
Platão - Trecho de O "Banquete" in: Introdução à Filosofia, Marilena Chauí
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