Páginas

Música Brasileira

"Não é bom para o homem estar só mas ele está só, mesmo assim, ele espera e está só, ele adia e está só, só ele sabe que mesmo adiando chegará."
Natan Zach

quinta-feira, novembro 24, 2005

No país das últimas coisas

"Algo desaparece e, se você passar muito tempo sem pensar nele, nada haverá de trazê-lo de volta. Recordar não é um ato de vontade, afinal. É algo que ocorre a despeito de nós, e, quando há muita coisa mudando ao mesmo tempo, o cérebro vacila e os objetos lhe escapam. Às vezes, quando me vejo tateando em busca de um pensamento que fugiu, começo a evocar os velhos tempos, a me lembrar de quando eu era menina e toda família viajava de trem para o norte, nas férias de verão.

William, meu irmão mais velho, sempre deixava para mim o assento da janela e, a maior parte do tempo, eu não falava com ninguém, viajava com o rosto comprimido na vidraça, contemplando a paisagem, estudando o céu, as árvores e a água, enquanto o trem percorria os campos.

Achava tudo tão bonito, tão mais bonito que as coisas da cidade, e, todos os anos, dizia a mim mesma: "Anna, você nunca viu nada mais lindo. Tente se lembrar disso, tente memorizar as belas coisas que está vendo, para que fiquem para sempre com você, mesmo quando já não as possa ver".

Não creio que tenha olhado para o mundo com mais interesse que naquelas viagens ao norte. Queria que tudo me pertencesse, que tudo se tornasse parte do meu ser, e recordo que tentava guardar aquela beleza na memória, armazená-la para depois, quando me fosse realmente necessária.

O diabo é que não consegui. Tentava tanto, mas, de um modo ou de outro, sempre acabava me esquecendo e, por fim, só conseguia me lembrar do quanto tentara me lembrar. As coisas passavam muito depressa e, mal as via, já se haviam escapado, substituídas por outras que também desapareciam antes mesmo que chegasse a vê-las."

Paul Auster in: "No País das Últimas Coisas", tradução: Luiz Araújo

Um comentário:

Anônimo disse...

Reli esse texto hj.Me lembro q no dia q eu li pela primeira vez no seu blog, eu o achei extremamente profundo.Mas, não tenho saco pra escrever..Apenas li, absorvi cada frase, paragrafo e letras escolhidas a dedo pelo autor.Comparei a minha própria vida.Lembrei da minha infância, juventude, do agora...Tb queria fixar tudo dentro das gavetas da escrivanhinha das minha memória.Tanto já vivi, tanto já sorri e chorei..quero lembrar de mim.Onde foi mesmo q eu me deixei??Enfim, o escuro não me deixa ver muito.Apenas sombras, flashes insólitos de uma vida...
lindo texto.parabéns Solange.Seu blog é bem consistente reflete exatamente vc.
beijos
Betinha