"(...) A torrente das formas continuou o seu curso: a que era aspirada por Deus e a outra, em sentido contrário, expirada por Deus. Klein viu seres que se opunham à torrente, que se erguiam em terríveis convulsões e criavam horríveis sofrimentos: heróis, criminosos, loucos, pensadores, amorosos, religiosos. Outros viu, semelhantes a si, derivando rápidos e ligeiros na íntima volúpia da entrega, do acordo, bem-aventurados com ele. O cântico dos bem-aventurados e o infinito brado de angústia dos desventurados, formava sobre as duas torrentes do mundo uma esfera ou cúpula de sons, uma abóbada de música cujo centro era Deus, claro, invisível de claridade, uma essência resplendente, uma quintessência de luz, envolta no renascer da música pelos coros do mundo em eterna ressaca.
Heróis e pensadores, profetas e apóstolos, saíam da torrente do mundo: «Vede, este é Deus, o Senhor, e o seu caminho leva à paz», proclamava um e muitos o seguiam. Outro anunciava que o caminho de Deus levava à luta e à guerra. Um chamava-lhe luz, outro chamava-lhe noite; um chamava-lhe pai, outro chamava-lhe mãe. Um louvava-o como repouso, outro como movimento, como fogo, como refrigério, como juiz, como consolador, como criador, como destruidor, como redentor e como vingador. Deus, porém, não dava a si próprio nenhum nome. Queria ser denominado, queria ser amado, queria ser louvado, amaldiçoado, odiado, adorado, pois a música dos coros do mundo era o seu templo e a sua vida – mas era-lhe indiferente o nome com que o louvavam, o amor ou o ódio que lhe votavam, que o procurassem no repouso, no sono, na dança, no delírio: todos podiam procurar, todos podiam encontrar.
Klein ouviu então a sua própria voz. Cantava. Com voz nova e sonora, cantava alto o retumbante elogio e louvor a Deus. Cantava e vogava arrastado pela corrente, no meio de milhões de seres, como um profeta e um apóstolo. Soava alto o seu cântico, a cúpula de som subia, e Deus, ao centro, resplandecia. As torrentes prosseguiam em prodigioso bramir."
Heróis e pensadores, profetas e apóstolos, saíam da torrente do mundo: «Vede, este é Deus, o Senhor, e o seu caminho leva à paz», proclamava um e muitos o seguiam. Outro anunciava que o caminho de Deus levava à luta e à guerra. Um chamava-lhe luz, outro chamava-lhe noite; um chamava-lhe pai, outro chamava-lhe mãe. Um louvava-o como repouso, outro como movimento, como fogo, como refrigério, como juiz, como consolador, como criador, como destruidor, como redentor e como vingador. Deus, porém, não dava a si próprio nenhum nome. Queria ser denominado, queria ser amado, queria ser louvado, amaldiçoado, odiado, adorado, pois a música dos coros do mundo era o seu templo e a sua vida – mas era-lhe indiferente o nome com que o louvavam, o amor ou o ódio que lhe votavam, que o procurassem no repouso, no sono, na dança, no delírio: todos podiam procurar, todos podiam encontrar.
Klein ouviu então a sua própria voz. Cantava. Com voz nova e sonora, cantava alto o retumbante elogio e louvor a Deus. Cantava e vogava arrastado pela corrente, no meio de milhões de seres, como um profeta e um apóstolo. Soava alto o seu cântico, a cúpula de som subia, e Deus, ao centro, resplandecia. As torrentes prosseguiam em prodigioso bramir."
Hermann Hesse in: Ele e o Outro